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  20/12/2012 - por



As causas reais das políticas de austeridade



Este artigo identifica as causas que originaram a crise econômica e financeira atual nos dois lados do Atlântico, causas enraizadas nas políticas levadas a cabo pelos Estados que estimularam uma enorme concentração dos rendimentos, criando um enorme problema de procura de bens e serviços, por um lado, e um capitalismo baseado na especulação, por outro.

O artigo assinala que, em consequência disso, as elites financeiras e econômicas aumentaram os seus lucros à custa do bem estar da maioria das populações, exemplo claro no caso de Espanha. As políticas de austeridade têm como objetivo beneficiar os interesses do capital financeiro ao privatizar as transferências públicas e os serviços públicos do Estado, a fim de facilitar a intervenção de capital financeiro nestes setores e debilitar a proteção social e com isso a classe trabalhadora e as classes médias.

Num artigo recente, indiquei que as medidas que se estão a tomar para racionalizar o sistema financeiro na União Europeia não estão a ter um impacto na resolução da Grande Recessão que a União Europeia está a provar. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia espanhola descerá 1,5% do PIB, a italiana 2,3%, a portuguesa 3%, a grega 5,2%, a britânica 0,6%, a alemã 0,9% e a francesa 0,1%. Para a média da União Europeia, as previsões de crescimento econômico são nulas, como assinala a Comissão Europeia.

Na realidade, calcula-se que a descida da economia europeia seja de 0,4% do seu PIB. Um mal presente e um futuro pior. As reformas financeiras parecem não estar a melhorar a situação. Antes pelo contrário, muitas das medidas que se estão a tomar para melhorar o sistema financeiro, estão a piorar, em vez de melhorar, a situação econômica. O ênfase do Banco Central Europeu (BCE) e da Comissão Europeia em continuar as políticas de austeridade é um claro exemplo disso. Argumenta-se que a disciplina fiscal (reduzir o déficit público dos Estados) é a chave para recuperar a confiança dos mercados financeiros. Daí que, e como consequência, se fazem mais e mais cortes nas transferências e nos serviços públicos do Estado.

A maioria dos trabalhos científicos credíveis mostram o profundo erro dessas políticas. Na realidade, estas políticas de austeridade são responsáveis para que se vá caindo mais e mais nesta Grande Recessão. E a causa de que isto seja assim não é nada difícil de entender. A grande descida dos rendimentos do trabalho na maioria dos países do mundo ocidental (e muito em especial na América do Norte e na Europa ocidental) criou um enorme problema de escassez de procura, que ainda quando foi paliada, em parte, devido ao enorme endividamento da população (endividamento que beneficiou a banca), chegou a um limite que paralisou o crescimento econômico. Mas a diminuição dos rendimentos do trabalho foi feita à custa do enorme crescimento dos rendimentos do capital e da sua concentração em sectores enormemente minoritários da população (o famoso 1% do movimento Occupy Wall Street).

Encontramo-nos assim com o aparente paradoxo que vemos: um enorme crescimento da quantidade de dinheiro existente nas mãos de uns poucos, uma grande escassez de dinheiro para que a maioria da população possa pagar os bens e serviços de que necessita para manter o seu nível de vida. Na realidade, a pobreza está a alcançar dimensões epidêmicas, atingindo grupos e classes sociais que se tinham sempre considerado imunes à tal escassez de recursos.

O que deveria ser feito e não se faz

Pareceria que o mais lógico seria repartir a enorme concentração de dinheiro e se transferisse para a população, em geral, permitindo-lhe comprar e atender às suas necessidades, recuperando assim a economia.

A solução para esta recessão é extraordinariamente fácil de desenhar, se o conhecimento científico fosse o que motivara as decisões políticas. De novo, toda a evidência científica credível existente assinala que a concentração dos rendimentos está a dificultar a resolução da crise. E a forma de corrigir essa concentração é a redistribuição desse dinheiro. Só nos EUA, o dinheiro acumulado (pela elite econômica) durante estes anos de crise é de 2 trilhões de dólares. Não há, pois, falta de dinheiro. A sua redistribuição para as classes populares resolveria rapidamente o problema da falta de procura nos EUA.

Que isso não se faça, deve-se ao enorme poder que tem 1% da população em cada país e das alianças que se estabelecem entre eles em vários países. Os argumentos que constantemente se dão, inclusivamente por autores de esquerda, para explicar porque não se faz essa redistribuição e se estimule a procura, é que os economistas que dirigem ou aconselham estas políticas de austeridade são incompetentes ou ignorantes, argumentos que não são credíveis. Outro argumento que se utilizou é que esses economistas estão imbuídos de uma ideologia, a ideologia neoliberal que praticam e promovem com uma fé falhada de base empírica que a sustente. Mas esse argumento ignora que a fé sempre se reproduz porque beneficia os que a promovem e a sustentam. Há interesses muito poderosos – para os quais esses economistas trabalham - que apoiam austeridade. Um deles é o capital financeiro, pois a expansão econômica, que resultaria das políticas redistributivas, afetaria a inflação.

O inimigo número um da banca é sempre a inflação. Se o leitor tiver 100 euros e a inflação anual for de 10%, no final do ano, a sua nota de 100 euros tem unicamente um valor de 90 euros em comparação com o valor inicial. E a banca tem trilhões de euros. Isso significa que ligeiras variações da inflação podem ter impactos sumamente negativos para o capital financeiro. Daí que as políticas de austeridade que estão a ser impostas na Eurozona (e utilizo a expressão impostas, porque em nenhum dos países onde essas políticas estão a ser levadas a cabo, constavam dos programas eleitorais dos partidos governantes), e que estão a destruir o bem-estar da maioria da população, tenham sido escolhidas pelo sistema de governo do euro (o Banco Central Europeu e também a Comissão Europeia), enormemente influenciado pelo capital financeiro europeu (e, muito em especial, o alemão). Estas políticas tiveram muito êxito para esse capital financeiro. A inflação média da Eurozona foi cerca de 2% por ano: o objetivo que se desenhou quando se estabeleceu o euro (em novembro foi 2,2%).

Outras causas das políticas de austeridade

Mas existe outra razão pela qual continuam as políticas de austeridade. É que a enorme quantidade de dinheiro que está a ser utilizada, por parte da banca, em práticas especulativas, tem também os seus elevados riscos, como a banca bem o sabe. Daí o seu desejo de procurar novas áreas de investimento, que não sejam especulativas, tais como a Segurança Social e os serviços públicos do Estado. São necessárias, pois, medidas de austeridade que empobreçam as transferências públicas (como as pensões) e os serviços (como a saúde ou a educação), e que estimulem a sua privatização. Isso oferece novas possibilidades para a banca e para as companhias de seguro de modo a conseguir amplos lucros em atividades menos arriscadas que as especulativas.

Esta é a explicação das medidas de austeridade. E se não acreditar, veja quem está a beneficiar com as privatizações da saúde na Catalunha, na Comunidade Autonômica de Madrid, onde essas políticas de privatização foram mais acentuadas. Entre muitos interesses financeiros, existem investimentos de alto risco, companhias de seguro, consultorias para capital financeiro e um longo etcetera. É a “americanização da saúde”.

Quer dizer, a extensão do modelo de saúde norte-americano gerido pelas companhias financeiras com o afã de lucro, que determinaram o sistema de saúde mais caro, mais ineficiente e mais impopular dos sistemas de saúde existentes. Nos EUA o setor da saúde é um campo de expansão do capital financeiro. E este é o objetivo das políticas de austeridade na Europa (ver o meu livro “Medicine under Capitalism” para analisar as consequências deste sistema de financiamento da saúde).

Outra causa da persistência dessas políticas de austeridade é debilitar o mundo do trabalho e os sindicatos. O caso espanhol é claro. Pela primeira vez numa época democrática, os rendimentos do capital superam os rendimentos do trabalho. A enorme influência do capital financeiro junto do patronato e do poder político governante, faz e explica que, apesar da descida da procura e do escasso crescimento económico, os rendimentos do capital continuem a crescer, ajudados pelas políticas fiscais que garantem os seus amplos benefícios. A aliança do capital com o Estado garante a prioridade de umas políticas que, enquanto beneficiam uma minoria da população, destroem enormemente o bem-estar da maioria.

Não é só 1%

Quando escrevo uma minoria não me refiro só a 1%, tal como o movimento Occupy Wall Street faz referência. Este 1% (proprietários e controladores do grande capital) tem um poder decisivo e determinante. Na realidade, a sua percentagem sobre a população, tanto nos EUA, como em Espanha, é muito menor que 1%. Mas este grupo controla os meios que configuram o que um dos analistas mais agudos das sociedades capitalistas, Gramsci definiu como hegemonia ideológica, que inclui desde as escolas e academias até aos meios de informação e persuasão, e determina a sabedoria convencional do país, que inclusivamente hoje, depois de tanta dor e danos causados à população, continua a dominar: o neoliberalismo.

Toda uma bateria de fundações, centros de estudos ou projetos de investigação são financiados pelo capital e muito, em particular, pelo capital financeiro. Os maiores bancos do país têm centros de estudos, organizam conferências, financiam jornais e revistas chamadas científicas, onde o dogma se reproduz e se promove através de amplas caixas de ressonância, meios radiofónicos e televisivos, ou imprensa escrita, por sua vez endividada e dócil para com esses poderes. Este 1% para poder mandar necessita do aparelho ideológico que o sustente. E daí que, apesar dos danos que tais políticas estão a causar, elas continuam a ser promovidas.

Artigo publicado originalmente na coluna "Domínio Público", na página publico.es. Tradução: António José André (Esquerda.net).



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