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  08/07/2025


Educação Indígena em foco: presença, resistência e desafios nas Universidades Amazônicas



Mesa de debate discutiu caminhos e obstáculos na construção de políticas de acesso e permanência estudantil - Foto: Daisy Melo/Ascom ADUA 

 

Sue Anne Cursino

 

Como parte da programação do 44º Encontro da Regional Norte 1 do ANDES-SN, a mesa “Políticas de Educação Indígena nas Universidades Amazônicas: cenários e desafios” reuniu, no dia 13 de junho, representações estudantil e docente em Manaus para discutir os caminhos e os entraves na construção de políticas de acesso e permanência de indígenas no ensino superior.

 

O debate aconteceu no auditório da Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (EST/UEA) e contou com a participação da professora e integrante do Núcleo de Educação Escolar Indígena da UEA, Jeiviane Justiniano, do professor e 1º vice-presidente da ADUA, Raimundo Nonato e da mestra Izabel Cristine Munduruku, coordenadora do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam), entidade com 30 anos de atuação na causa indígena.

 

No diálogo, Izabel Munduruku destacou a urgência da criação de políticas específicas para estudantes indígenas no Amazonas. “A UEA e a Ufam ainda estão de costas para o estudante indígena. Precisamos afirmar que as políticas estudantis devem ser construídas de forma participativa”.

 

Ela apontou que as universidades continuam reproduzindo práticas que ignoram a diversidade cultural e linguística dos povos originários, o que resulta em dificuldades de permanência e altos índices de evasão. “Nossa língua é diferente, nossa cultura é diferente, e isso traz uma consequência: o racismo. Durante muito tempo, estar na universidade significou negar a nossa cultura”.

 

Izabel reforçou a necessidade de políticas construídas com escuta ativa e questionou a efetividade do discurso da decolonialidade. “Fala-se muito em decolonizar, mas como isso chega aos indígenas? Quem construiu essas políticas? Em que medida os indígenas estavam presentes nessa construção?”, indagou.

 

A estudante também enfatizou que as ações na universidade devem ser feitas com a participação efetiva do movimento indígena. “Não queremos políticas feitas de qualquer jeito, queremos políticas que nos incluam e que nos mantenham na universidade”.

 

A coordenadora da entidade também chamou atenção para os impactos psicológicos sofridos por estudantes que precisam migrar para estudar, muitas vezes resultando em casos de suicídio. “Quando fazemos o recorte, muitos desses jovens estão fora de seus territórios, estudando. Eles saem com um sonho e voltam dentro de um caixão”, afirmou.

 

Diante dessa realidade, ela destacou a importância de redes de apoio e da presença dos movimentos indígenas na formulação de políticas públicas. “Hoje temos redes como o Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena no Amazonas, o Foreeia, mas ainda precisamos avançar muito”.

 

Lutas históricas e entraves institucionais

 

O professor Raimundo Nonato relembrou a trajetória de luta por acesso à universidade, destacando os avanços conquistados com a Constituição de 1988. “O artigo 231 foi um marco. É impossível esquecer o Ailton Krenak pintando o rosto durante a Constituinte, exigindo participação indígena nos espaços de decisão”.

 

Apesar das conquistas simbólicas, as propostas do movimento indígena ou voltadas para os(as) indígenas enfrentam forte resistência institucional. Dentre elas, Nonato citou a aprovação, ainda na década de 1990, de uma política de ingresso diferenciado para indígenas na Ufam, que acabou barrada por parecer jurídico sob o argumento de “isonomia”.

 

Segundo o professor, o acesso de estudantes indígenas às Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) na região Norte atualmente ocorre, principalmente, por três vias: licenciaturas interculturais, Programa de Formação de Docentes (Parfor/Plataforma Paulo Freire), e acesso não diferenciado, com ingresso, em sua maioria, por meio do Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (Prolind).

 

Em 2025, a Ufam recebeu 389 estudantes indígenas autodeclarados de 23 etnias do Amazonas. Do total, 95 ingressaram em cursos na capital, 154 em unidades do interior e 140 pelo Parfor. Foram 31 cursos de bacharelado, um tecnológico e 12 licenciaturas, além dos vinculados ao Parfor.

 

A unidade com maior número de ingressos indígenas foi o Instituto Natureza e Cultura (INC), em Benjamin Constant, que recebeu 59 estudantes. “Quem está nas cidades consegue entrar na universidade. Mas os indígenas das cabeceiras dos rios, que levam dias para chegar até um centro urbano, estão sendo deixados para trás. É preciso formar professores que retornarão para suas comunidades, para garantir a continuidade dos saberes e fortalecer os territórios”, alertou.

 

O argumento de Raimundo Nonato é que seja garantido orçamento das Ifes, recursos permanentes para formação, manutenção e permanência de estudantes indígenas.

 

“Os números apresentados expressam que a principal forma de acesso a cursos continua sendo pelos Programas. Essa via fica à mercê da vontade do governante de plantão. Por isso, o encaminhamento mais fecundo seria a garantia no orçamento, com recursos para aplicar na formação, manutenção e permanência de indígenas nas universidades públicas”, avalia o docente, que defende a alocação de orçamento específico nas Universidades para políticas estruturadas, como bolsas permanência, moradia estudantil e ações afirmativas adequadas às realidades locais.

 

Encontro foi realizado no auditório da EST/UEA - Foto: Sue Anne Cursino / Ascom ADUA

 

Barreiras linguísticas e políticas incipientes

 

A professora Jeiviane Justiniano apontou a ausência de uma política efetiva de educação indígena nas universidades. “Existe uma política implementada? Não. Fala-se em política afirmativa? Sim, a todo momento”, disse a docente, complementando sua linha de pensamento com a explicação de que em 2024, após cerca de cinco anos de negociação, foi constituído um comitê gestor de políticas indigenistas na universidade, constituído para criação de uma política dentro da UEA, cuja representatividade é do movimento indígena com os(as) docentes, estudantes, pesquisadores(as) e coordenadorias, mas que o desafio hoje é implementar uma política.

 

Segundo dados da Secretaria-Geral Acadêmica e da Pró-Reitoria de Planejamento da UEA, há 787 estudantes indígenas matriculados(as) na instituição, sendo 525 na capital e 262 no interior. O maior grupo é o dos(as) estudantes do povo Tikuna. Muitos ingressam por reserva de vagas — diferente das cotas —, o que já representa um desafio legal e político. “Muitos passam anos na universidade sem conseguir avançar, por diversos motivos, entre eles a barreira linguística”, disse a docente.

 

Ela relatou o caso de uma estudante que passou oito anos sem conseguir ultrapassar o 3º  período do curso devido às dificuldades linguísticas, e reforçou a importância da criação de materiais didáticos específicos e da formação continuada de professores(as) indígenas. “Vemos uma carência quase total de materiais que possam atender às necessidades desses estudantes”.

 

Criado em 2016, o Núcleo de Educação Escolar Indígena da UEA tem atuado para aproximar a universidade das demandas dos povos originários. No entanto, a docente alertou para o enfraquecimento das políticas de extensão e pesquisa voltadas aos(às) indígenas. “Perdemos muito com o fim do PAIC e da extensão indígena, afinal, precisamos que indígenas estejam presentes também na produção de conhecimento”.

 

Ela defendeu parcerias interinstitucionais e projetos que promovam a formação continuada e a produção de materiais didáticos próprios.

 

“Vemos uma carência, ausência e quase invisibilidade de materiais que possam atender os professores indígenas”, disse a docente, que também ressaltou que, apesar da presença significativa de estudantes indígenas nas universidades públicas do Amazonas, muitos desafios de permanência são enfrentados, sendo uma ameaça ao futuro desses(as) estudantes. Eles enfrentam grandes desafios com a falta de políticas de permanência e inclusão, por exemplo, “temos apenas cerca de 20 bolsas, com mais de 20 estudantes em lista de espera”, alertou.

 

Pluralidade de saberes e construção de uma universidade amazônica

 

Durante o debate, docentes de campi da Ufam reforçaram a importância de considerar os(as) indígenas como sujeitos da formulação das políticas universitárias.

 

A professora do INC/Benjamin Constant, Gilse Rodrigues, destacou o desafio da diversidade cultural e linguística. “A universidade continua sendo branca, mesmo onde os indígenas são maioria. Como implementar políticas institucionais considerando essa diversidade?”

 

Evento teve participação de docentes dos seis campi da Ufam - Foto: Sue Anne Cursino / Ascom ADUA 

 

Jordeanes do Nascimento (IEAA/Humaitá) também questionou a ausência de políticas para o ensino de línguas indígenas frente à hegemonia da língua portuguesa nos materiais didáticos.

 

Já Maria Audirene Cordeiro (ICSEZ/Parintins) criticou a invisibilização das realidades amazônicas nos currículos. “Somos uma universidade que não pensa em professores indígenas”, afirmou a docente em tom de crítica, reiterando a defesa da formação bilingue e a construção de uma universidade na Amazônia que pense as diferentes realidades.

 

A mesa de debates reforçou o consenso entre participantes: é urgente a implementação de políticas públicas efetivas e duradouras, construídas com o protagonismo indígena, que garantam não apenas o acesso, mas a permanência, a valorização dos saberes tradicionais e a formação de educadores(as) indígenas comprometidos(as) com suas comunidades.

 

Além das mesas, no primeiro dia do encontro ocorreram as performances “Grafias da R/existência”, do artista e docente da UEA, Valdemir de Oliveira, e do Quinteto de Metais e Percussão da mesma universidade.



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