
Exposição fez parte da programação do Festival de Cultura e Arte do ANDES-SN - Daisy Melo/ Ascom ADUA
Daisy Melo
Perceber os sentidos dos registros nos muros da cidade e contar a história revelada por essas marcas urbanas. Foi por esse caminho que se chegou à exposição “Arte urbana e imaginário público – o espanto estético mexicano”, da artista e professora Ceane Simões. A mostra ocorreu durante o VIII Encontro de Comunicação e Arte e o III Festival de Cultura e Arte do ANDES-SN, de 7 a 9 de novembro, em Niterói (RJ).
Com o uso das técnicas de fotografia de impressão térmica e colagem, o projeto experimental tem como base grafites e outras representações artísticas da cidade de Oaxaca, no México, e evidencia “a força do imaginário popular, as intersecções entre passado e presente e suas implicações contracoloniais no contexto urbano”, destaca a artista.
As fotografias presentes nas obras são resultado da captação do calor emitido pelo que é fotografado através de uma câmera de imagem térmica. “É um dispositivo meio na fronteira entre o analógico e o digital, uma vez que as imagens são produzidas digitalmente e impressas por meio de uma impressora térmica embutida”, explica.
O aparelho, que é vendido como um brinquedo para crianças, é como uma câmera para brincar, segundo definição da docente. “Gosto de pegar essa ideia da infância, de brinquedo, para simbolizar o fato de que quando fazemos algo pela primeira vez é como se estivéssemos vivendo uma infância. Filosoficamente, tomei as fotografias térmicas dentro dessa perspectiva”, comenta Ceane.
Por meio da técnica da colagem, a artista compôs quadros combinando as fotografias de impressão térmica, gravuras da coleção “Los Nadies” (“Os ninguéns”), do Colectivo Subterráneos de Oaxaca, e elementos naturais, como folhas e flores, recolhidos pelas ruas da cidade mexicana. “Tive a sorte de encontrar essas três gravuras desse coletivo, e tomei a incitativa de organizar o processo de colagem junto com as fotografias térmicas. A ideia é propor uma narrativa imagética apresentada em formato tríptico”.
Efêmero
O registro em papel térmico é sensível e, com a exposição à luz e umidade, as imagens se desvanecem com o tempo. “Eu não tenho essa coleção de fotografias em meio digital. É possível, por meio deste positivo, fazer o armazenamento digital, mas apenas selecionei os ângulos, tomava as fotografias e imprimia imediatamente”.
A perda da nitidez e o não arquivamento proposital do material representam um grito de protesto ecoado na exposição. “O apagamento e o esquecimento também foram paradoxalmente produzidos pela fotografia como ferramenta a serviço da colonialidade, como propõe Ariella Aïsha Azoulay, recuando na História para dizer das condições geradoras do ‘obturador colonial’, o dispositivo que produziu e produz um corte entre o que é digno de ser registrado e mostrado ou não na fotografia”, destaca.
O trabalho carrega ainda a discussão sobre o conceito de “história em potencial” proposto por Azoulay, teórica da Fotografia autodeclarada judia palestina. “A autora fala da possibilidade de elaborarmos uma ‘história em potencial’, aquela que se faz com companheiros e companheiras (…) a história que nós criamos com esses personagens, novas narrativas para colocar esses personagens em cena”, explica.
A montagem sensível da exposição distribuiu três quadros em composição com velas coloridas em alusão à cultura mexicana. Um deles expõe uma jovem indígena de costas e pés descalços, carregando flores. No outro figuram uma mulher e um violino, elementos que remetem à poética e à musicalidade. O terceiro, com a imagem de uma anciã indígena e animais, faz alusão à tradição, festa, vida, morte e fé. “Nessa coleção, o Coletivo faz uma homenagem aos povos originários, aos trabalhadores e às trabalhadoras, retomando uma perspectiva de luta histórica desses sujeitos coletivos”.

Um dos quadros traz uma indígena anciã e flor e folha colhidas em Oaxaca - Daisy Melo/ Ascom ADUA
Com o desbotamento das fotografias restarão apenas as gravuras de “los nadies”. No caso específico da mostra, “das ninguéns”, as mulheres trabalhadoras representadas pela coleção do coletivo mexicano. “Aí tem uma mensagem política. Além disso, como o tema da morte atravessa grande parte das imagens realizadas, expressando o imaginário popular mexicano, gerador de espanto estético, este trabalho busca ser coerente com essa dimensão simbólica sobre a vida-morte e o tempo”, explica Ceane.
Experimentação
A captação das fotografias ocorreu em setembro de 2025, em visita de Ceane ao sul do México, onde esteve como convidada a participar de uma atividade na Escola Normal Superior Federal de Oaxaca. Nos tempos livres, a docente percorreu as ruas do bairro “Colonia La Cascada”, onde ficou hospedada, e do Centro Histórico, caminhos permeados pela arte urbana local. “Oaxaca tem uma vida muito pulsante do ponto de vista cultural, com seus povos originários, e uma vida política, militante bastante forte. Tanto as cores do México quanto a arte são muito presentes em todos os espaços. Fiquei bastante interessada e tomada por essa expressão urbana do grafite”.

Outro quadro é composto por fotos térmicas e uma mulher com um violino - Daisy Melo/ Ascom ADUA
Nesse ambiente estimulante, Ceane iniciou os experimentos com essas fotografias. “Também era um exercício para eu tentar compreender um pouco essa técnica, a luz e os melhores ângulos para fazer as melhores tomadas. A série é composta por dezenas de fotografias feitas, algumas de uma maneira mais espontânea. Outras fotografias eu fui buscando alguns grafites com alguma expressão da cultura oaxaquenha”, conta.
Ceane Simões também é 1ª secretária da Regional Norte 1 do ANDES-SN e secretária de Comunicação do Sindicato dos Docentes da Universidade do Estado do Amazonas (Sind-UEA).
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