| Data: 04/12/2017
 De um lado, os muros da  cidade cobertos de cinza, do outro, paredes sendo coloridas,  curiosamente, por personagens do mesmo grupo político. O que a primeira à  vista pode parecer divergência de ideias nada mais é do que clara  jogada politiqueira de tentativa de diferenciamento entre pares, na  ferrenha disputa pela presidência do país. No meio do fogo cruzado, os  grafiteiros expressam, com o aval institucional, a beleza, a cor e a dor  do povo e da selva amazônica pelo concreto de Manaus. Críticas a outros  temas estão fora do cardápio, descaracterizando a essência do movimento  surgido na década de 1970.
 
 Apesar da deturpação do seu uso  político, a linguagem visual do grafite, com seu status de arte, fica e  chama a atenção de quem passa pelos principais corredores viários da  cidade em avenidas como Constantino Nery, Djalma Batista e Boulevard  Álvaro Maia. Com cores vivas, as imagens estabelecem conexões com a  identidade cultural local. Um índio, um caboclo, um peixe, uma ave, uma  flor, a vida da Amazônia retratada em meio ao caos da cidade, com seus  carros, prédios, sons e luzes.
 
 O trabalho é feito por  grafiteiros e artistas plásticos como forma, segundo eles, de valorizar  não somente a arte e a biodiversidade, mas também provocar reflexão  sobre os problemas que nos afetam diretamente. É o caso do designer  André França, 23, o André Hulk, que há sete anos faz arte nas ruas de  Manaus. “Desenho desde pequeno e comecei a trabalhar com o grafite em  2010, quando conheci uma rapaziada que me incentivou. A minha pegada é  mais o regionalismo, por isso uso muito o verde”, contou o grafiteiro,  revelando porque é chamando no meio de Hulk.
 
 A última de suas  criações, instalada no viaduto da Boulevard Álvaro Maia, é o grafite de  um indígena verde, chorando, cujos cabelos misturam-se com árvores  queimando. “A minha arte tenta promover reflexão. Nesse caso, chamo  atenção para o desmatamento na Amazônia”, explica. Ao lado da arte, que  levou uma semana para ficar pronta, a inscrição “Mata Viva, Povo Forte”.
 
 Quem também faz parte desse time, mandando seu recado para  desconstruir padrões, é a estudante de Artes Visuais da Ufam, Deborah  Cabral, 24, a Deborah Erê. Um de seus trabalhos com maior visibilidade,  instalado sob o mesmo viaduto, é uma espécie de índia-sereia. “Sereia é a  personagem com a qual gosto de trabalhar. Qualquer mulher pode ser uma  sereia. Nós somos o poder”, diz a estudante, em uma clara crítica ao  padrão de beleza feminina construído e imposto pelo mundo da moda. “A  maioria das mulheres não é representada por esse padrão”, completa a  artista, que desde 2012 espalha tons e traços pela cidade.
 
 Deborah  Erê aposta nessa iniciativa de levar o grafite aos lugares que garantem  maior visibilidade, mas não se aparta de sua raiz. “A cidade precisa  valorizar o grafite na periferia. Essa semana [meados de outubro] a  gente participou de mais uma edição do Arte no Beco [ocorreu em uma rua  do bairro Santo Agostinho, organizada pelos próprios artistas], levando a  arte para essas quebradas. É preciso investir mais nesses locais e  valorizar quem é de lá”, destacou. Que a valorização da genuína arte do  grafite tenha difusão democrática, pois o pedido é um só: Manaus: mais  cor política, por favor!
 
 Fonte: ADUA
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