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  14/04/2023


Reparação, já! Pesquisa denuncia crimes contra povos indígenas na Amazônia durante Ditadura Empresarial-Militar



 

Uso da força de trabalho indígena em condições análogas à escravidão, deslocamento de Terras Indígenas (TI), transgressão de cemitérios e agressões à cultura foram algumas das violações vividas pelos Waimiri Atroari e Kagwahiva-Tenharim, no período da Ditadura Empresarial-Militar (1964-1985), no Amazonas. As violações foram denunciadas em seminário nos dias 12 e 13 de abril, no auditório Rio Alalaú, no campus da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). A ADUA - Seção Sindical do ANDES-SN foi uma das apoiadoras do seminário.

 

O encontro reuniu representantes de povos vitimados, indigenistas, pesquisadores(as), membros do Ministério do Povos Indígenas, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) para dialogarem sobre os resultados de pesquisa que objetiva comprovar a responsabilidade da empresa de mineração Paranapanema.

 

A investigação foi coordenada pelo professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Gilberto Marques, com apoio do MPF e do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O levantamento de dados foi feito com base em documentos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Sistema Nacional de Informações (SNI), de ações judiciais e diálogo com indígenas.

 

Nos dois dias de diálogo foram compartilhados detalhes de como a atuação da empresa Paranapanema (da qual a Mineração Taboca foi subsidiária) gerou consequências negativas para os povos Waimiri Atroari e Tenharim. A equipe de pesquisa delimitou um recorte temporal de estudo, datando de 1964, início da Ditadura Empresarial-Militar, até 1980, no período da redemocratização.  

 

Presente na mesa de saudação no primeiro dia de encontro, o presidente da ADUA, professor Jacob Paiva (Faced), enfatizou que a categoria docente sofreu profundamente durante o período da Ditadura Empresarial-Militar, com perseguição, exílio e morte, e que, portanto, a ADUA não se furtaria ao debate em defesa dos povos originários do Brasil. “Com certeza, como a gente faz parte de um grupo social com maior visibilidade, essas questões já foram colocadas na literatura e nas lutas. Trazer à baila o que aconteceu com os povos originários nesse processo da Ditadura é fundamental para esse país reencontrar-se com a sua história e com sua memória, olhando o passado, vendo o presente e assim projetar o futuro baseado na justiça, na verdade, na decência e na dignidade de todos aqueles que habitam esse país de todos os povos, de todos os setores, de todos os segmentos, de todas as pessoas que sofrem opressão”. 

 

 

Fundada em São Paulo, em 1961, como empresa da construção civil, a Paranapanema entrou na mineração quatro anos depois. A partir do golpe de 1964 passou a atuar na Amazônia brasileira. Dados da pesquisa apontam que pessoas vinculadas ao grupo empresarial assumiram postos de destaque no governo. 

 

“A Paranapanema entra na mineração e aproveita os governos da Ditadura pra receber e negociar. É articuladora do golpe nas figuras de alguns de seus acionistas, depois ela vai se beneficiando da Ditadura pra crescer bastante e se apropriar de territórios, como é o caso dos Tenharim, dos Waimiri Atroari, dos povos do Alto Rio Negro, entre outros lugares, Roraima, Rondônia, Matogrosso, Pará, Amapá. Com o fim da Ditadura ela começa a minguar e perde muitos desses recursos de favores que ela recebia do estado, de encomenda de construção de portos, ferrovias, de uma série de outras coisas, e ela passa por dificuldades financeiras, e ela vai se desestruturando, e depois vai ter que abrir mão de alguns setores”, conta Gilberto. 

 

A Paranapanema passou por reestruturações de capital a partir dos anos 1990. Sua principal subsidiária em solo amazonense, a Mineração Taboca, foi vendida ao grupo Minsur em 2008, e permanece em plena atividade de extração mineral no que fora território indígena. “O grupo Paranapanema foi reduzido bastante, mas há uma continuidade dessa história, dessas violações, inclusive, entre outros problemas ambientais que seriam produzidos hoje, no Rio Alalaú e outros locais onde a Paranapena se faz presente”, afirma Gilberto. 

 

 

No histórico de ações da empresa está a construção da rodovia federal Perimetral Norte em Roraima, e juntamente a construção da BR-174 (Manaus-Boa Vista), o que teria permitido invasão e apropriação do território Waimiri-Atroari, causando agressão física com assassinatos, disseminação de doenças, levando a população ao risco de extermínio, em função da estrada e da extração de cassiterita no leito de rio e igarapés.

 

Também faz parte dessa história, o fato de que em 1969 a empresa adquiriu as minas de cassiterita do Igarapé Preto, no sul do Amazonas, onde seria contratada para construir um trecho da rodovia Transamazônica no início dos anos 1970. Isso teria facilitado a apropriação do território do povo Kagwahiva-Tenharim e permitido a construção de estrada particular até a mina de cassiterita do Igarapé Preto.

 

Além do aliciamento de indígenas para trabalho na época da Ditadura, as consequências da atuação da empresa exploradora de minérios se estendem até os dias atuais.  Segundo dados levantados pela pesquisa, além do beneficiamento de empresas com relação a favorecimento sobre terras indígenas, houve ainda vigilância paramilitar, tortura dentro do espaço da produção da empresa, denúncias de corrupção e fraude de documento, como por exemplo a fraude cartográfica utilizada para que as subsidiárias da Paranapanema se apropriassem do território Waimiri-Atroari.  

 

O indígena Tukano e mestrando em Geografia pela Ufam, Maximiliano Menezes, de São Gabriel da Cachoeira, hoje aos 62 anos, conta que quando tinha 24 anos trabalhou na empresa durante pesquisa de minério na região do Rio Traíra, e reforça o discurso de que havia muito problema com a falta de pagamento. 

 

A pesquisa corrobora esse relato, segundo o docente Gilberto Marques, “Os trabalhadores trabalhavam pra empresa e na hora de receber, não chegavam a receber um salário-mínimo. Eles pagavam o que achavam que deveriam pagar”, explicou Gilberto.

 

Caixas com bonecas ou panelas também eram oferecidos como formas de pagamento, como apontou a apresentação do historiador e membro da equipe de pesquisa, Rodolfo Costa, ao compartilhar dados sobre agressões empresariais e militares aos povos Kagwahiva do Sul do Amazonas – Tenharim, Jiahuaí e Parintintin. “Essas ações tornaram os Tenharim prisioneiros e escravos dentro do seu próprio território”, afirmou Rodolfo. 

 

Atualmente o reflexo das ações do passado é visto nas consequências danosas para o meio ambiente, com alteração da paisagem, assoreamento do leito dos rios, contaminação do solo, dos recursos hídricos, redução de biodiversidade, diminuição de peixes e aumento de doenças para as pessoas que moram na região. 

 

Os costumes do povo Tenharim da Região de Novo Aripuanã também foram afetados, conforme declaração do tesoureiro da Associação dos Povos Indígenas Tenharim do Igarapé-Preto (Apitipre), Cleudo Alves. Ele afirma que por causa da influência externa, houve diminuição no uso da língua Tupi-Kagwahiva, no modo de vestir e na realização dos rituais de seu povo.  Na avaliação do indígena, o nome da sua aldeia Piavuhú, que significa “muito jatuarana/peixe”, perdeu seu real sentido de fartura após a atuação da Paranapanema na região da Terra Indígena do Igarapé-Preto. “O cemitério foi destruído. E com a presença deles os costumes do povo mudaram. Tiveram muita influência nas vestimentas, nos costumes com produtos da sociedade, né? Tipo, dinheiro. Hábito da linguagem que mudou. Não se usa mais a linguagem tradicional nossa, então uma influência muito grande sobre isso.A prática de nossas culturas que teve influência dessa presença, né”.

 

Cleudo, aos 38 anos é um jovem indígena que reconta as histórias vividas por seus parentes (pai, tio e tia) que trabalharam para a empresa Paranapanema e que hoje também vê as consequências atingirem seu povo. “A questão do rio mesmo que foi destruído. O leito do rio eles trabalharam dez quilômetros, tinha bastante peixe. E hoje é só areia. Eles trabalharam quase 20 anos lá, exploraram bastante minério cassiterita e usaram mão de obra do povo indígena que não sabia muito leitura, não tinha leitura, e às vezes não sabia muito o que fazer”. 

 

Ele denuncia ainda que atualmente vivem um abandono, pois afirma não haver assistência para seu povo e a estrada [Estrada de Estanho] estar em más condições de uso e sem manutenção.   

 

“O que persiste até o hoje é o estado de impunidade em relação às violações”, explica o pesquisador André de Moraes, acrescentando que as violações podem ter ocorridas também em outros estados. 

 

O procurador da República no município de São Bernardo do Campo, Steven Zwicker (MPF-SP), afirma que estava faltando um olhar sobre essa parte da Ditadura, para os crimes acontecidos dentro desse contexto empresarial. “Foi se percebendo que aquilo que a gente vinha chamando de Ditadura Militar é mais propriamente uma Ditadura Cívico-Militar. Tem o envolvimento de setores civis do empresariado, que são muito beneficiados pela Ditadura e que colaboram com a Ditadura por conta disso”.  

 

Ele explica que sobre as violações contra os Tenharim e os Waimiri Atroari já havia uma documentação bem forte, inclusive ações civis públicas do Ministério Público, que serviram de fonte para esse trabalho de pesquisa, como por exemplo sobre abertura da BR 174, que são ações civis-públicas contra o Estado.  “Embora a atuação da Paranapanema e da empresa de segurança que trabalhava pra ela, que era a Sacopã, tenham sido até alguma coisa descoberta, documentada. No âmbito dessas ações, as ações se voltavam contra o Estado”. Explica Zwicker. 

 

Atualmente é feito um trabalho das forças da procuradoria do Amazonas, de perícia do Ministério Público Federal, de sair recuperando essas histórias. Segundo informação de Zwicker, estão sendo feitos os primeiros contatos com a Paranapanema e a Taboca. “Não tive nenhuma reunião com a Paranapanema propriamente dita, mas a gente já tem alguma informação sobre a história que o grupo perpassa, o que acontece com o grupo empresarial, desde a época da Ditadura, onde eles são grandes produtores de cassiterita etc. e como a história vai desembocar hoje”. 

 

Para o procurador, o próprio seminário já se configura como importante momento para ouvir os indígenas. "É um momento que a gente está conversando com as vítimas, pra trazê-las para uma negociação. A gente está aqui falando de um coletivo, então são reparações de caráter civil e não criminal. O meu jeito de trabalhar é de buscar uma solução acordada, pra não ter que entrar no judiciário. Eu não sei se pelo tamanho das relações, esse caminho do acordo é um caminho viável.  Pra isso a gente precisa estar conversando principalmente com as vítimas”. 

 

Na avaliação do indigenista Egydio Schwade, voz presente no seminário e de forte atuação na defesa dos povos originários, o evento foi importante passo por buscar pressão para que seja qualificado o que ocorreu no período da Ditadura, "buscando a verificação, o reconhecimento e reparação" do que ele chama de "um grande erro histórico", que foi o poder que o Estado deu para que empresas atuassem na exploração da Amazonia.  “Eu acho que é uma grande novidade, no sentido de justamente de uma vez ir a fundo na memória. A mentira matou um povo, cometeu genocídio contra um povo, ocupou a terra desse povo, transferiu boa parte para grandes empresários, e afinal de contas finalmente se está levantando através dessa pesquisa profunda e colocar essa empresa para deixar de mentir, e que talvez até atinja um pouco a história toda do Brasil, afinal de contas os portugueses fizeram a mesma coisa, entraram ai fazendo um Tratado de Tordesilhas como se essa terra fosse deles. Tudo isso está sendo colocado em questão. E tentar, exigir uma indenização realmente histórica e que seja o começo, de olhar, reconhecer o crime, qualificá-lo e tomar providências, pedir perdão desses povos, do que ainda resta, e partir para uma possível indenização, e, inclusive, paulatinamente dar poder a esse povo, que não é reconhecido, para voltar a governar essa terra dentro da perspectiva de que eles mostram de cuidar da natureza", afirmou Schwade. 

 

 

Gilberto Marques avalia que foi um encontro muito importante porque juntou povos que sofreram violações terríveis e os colocaram em contato com outros movimentos sociais, com a universidade, em particular com essas instituições como o Ministério Público Federal, em várias instâncias, o Ministério Público do Trabalho. “Então esse diálogo é muito importante pra dar continuidade a luta desses povos no sentido de comprovar as violações cometidas pelas empresas contra eles, mas também objetivando uma reparação lá na frente”. 

 

Um dos encaminhamentos da última mesa da programação foi de que a equipe vai continuar a realizar a pesquisa, articulada ao MPF. “A equipe vai continuar trabalhando, demandando novos documentos e novas comprovações das violações. O MPF vai estar trabalhando mais articulado, desde o procurador federal de São Paulo, Steven Zwicker [MPF], quanto os procuradores aqui do Amazonas, em particular com o procurador da República do MPF no Amazonas, Fernando Merlotto, e também com a procuradora e coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (6ª CCR/MPF), Eliana Torelly. Então eles estão nessa articulação responsável por conduzir essas demandas que nós tratamos nos dois dias do evento”, explicou Gilberto.

 

 

 

Também estiveram presentes no encontro, entre outros, a indígena Dessana, Graça Castilho, o membro da coordenação do Cimi Norte 1 (RR – AM), Francesc Comelles; o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Amazonas, Wilson Reis; a docente da Ufam, Ivânia Vieira (FIC); o Diretor do Departamento de Línguas e Memória do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Eliel Benites; e Ana Luiza Noronha do MPT – AM.

 

O ponto de partida da pesquisa sobre as consequências socioambientais das ações da Paranapanema se deu após investigação da Volkswagen, sobre a qual foi comprovada ligação da empresa com as vinculações com a Ditadura empresarial-militar dentro de fábricas em São Paulo. Até julho deste ano deve ocorrer um encontro em São Paulo para apresentação dos resultados finais da pesquisa sobre a Paranapanema e outras empresas investigadas por atuação no período da Ditadura militar. 

 

Fonte: ADUA 

 

Fotos: Sue Anne Cursino/ Ascom ADUA



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