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  07/01/2020 - por Otoni Mesquita



1964: A Manaus proposta por Arthur Reis



Apresentação

 


Como parte das comemorações pelos seus 40 anos de resistência na defesa dos direitos das/os docentes de ensino superior, a atual direção da ADUA-SSind. decidiu criar uma revista dedicada à reflexão crítica sobre o nosso país, a nossa sociedade e a nossa Universidade, uma revista de estudos e debates sobre o nosso tempo e os temas que nos dizem respeito.

 


Nesse sentido, o nome da nossa revista não poderia ser outro: Resistências – Revista da ADUA, afirmando o papel do nosso sindicato e de cada um de nós como sujeitos políticos críticos no mundo e resistentes no tempo em que vivemos.

 


Para este primeiro número, o tema escolhido foi Ecos e permanência da Ditadura na Amazônia. Com esse tema, Resistências aprofunda o debate sobre o atual momento político que vive o Brasil, inegavelmente um momento delicado, marcado por permanente crise política que se arrasta já há vários anos, colocando em risco tanto as instituições nacionais como as próprias condições de vida em sociedade.

 


Evidentemente a escolha deste tema não foi gratuita. Inegavelmente podemos caracterizar o governo Bolsonaro e os interesses que se uniram para levá-lo ao poder como uma reedição da Ditadura de 1964-1985, uma Ditadura Reeditada, inquestionavelmente piorada, se é que pode alguma ditadura ser considerada como melhor que outra.

 


Vale a pena lembrar as palavras de Florestan Fernandes em seu artigo “O significado da ditadura militar”, publicado em 1997, ao analisar as alianças de interesses que levaram ao golpe de 1964, palavras premonitórias e incrivelmente oportunas para descrever os dias atuais em nosso país: “[...] Os fios da contrarrevolução chegam aos nossos dias e de uma perspectiva militar que empobrece e inquieta as próprias forças armadas. [...] A ditadura, como constelação social de um bloco histórico de estratos militares e civis, não se.[...] A hegemonia militar perde [perdeu] terreno. A posição estratégica das elites militares – antigas ou renovadas – adquire, todavia, perspectivas de duração e de influência ultracompensadoras. Aquelas elites fixam-se ainda mais como esteio da defesa da ordem. Em suma, elas desprenderam-se da batalha militar (que não ultrapassou a encenação e alguns combates singulares), mas ganharam a guerra política. [...]” (Fernandes, 1997, 147-148).

 


Se hoje podemos dizer que vivemos uma ditadura disfarçada, devemos reconhecer que essa é ainda pior, ainda mais “pobre” do que a de 1964, uma vez que a concepção de país e sociedade que têm os militares hoje no poder, e os civis que a eles se aliam, é ainda pior, ainda mais “pobre” do que a de 1964, que levou o país aos desastrosos 21 anos Regime Militar e Ditadura.

 


Em sua maioria, os artigos reunidos neste nº 1 de Resistências foram escritos por colegas docentes da Ufam e outras Universidades, que responderam à “chamada para artigo” de parte da ADUA. Os 28 artigos aqui reunidos apresentam formatos diversos – ensaios, testemunhos, artigos de opinião e artigos acadêmicos – conformando quatro seções:

 


- Abrindo o Debate, seção especial com o mencionado artigo de Florestan, que, atualíssimo, lança luzes sobre o atual contexto político brasileiro;
- Ecos da Ditadura na Amazônia, artigos que discutem o impacto e efeitos da Ditadura na formação pessoal e da sociedade local amazonense;
- Permanências da Ditadura, artigos que analisam a herança do Regime Militar e da Ditadura ainda hoje presentes na vida nacional.
- A Ditadura Reeditada, seção especial com o artigo “Conspiração e corrupção: uma hipótese muito provável”, de José Luís Fiori e William Nozaki, que explicita antigos interesses sempre renovados, que constrangem a política nacional à “conspiração” por regimes de exceção, que assinala estratégias, sempre renovadas, de perpetuação da subordinação nacional a interesses imperialistas.

 

 

Com Resistências, a Diretoria da ADUA convida à reflexão crítica sobre o tempo em que vivemos, condição indispensável para a construção de uma sociedade mais justa, que acreditamos seja o propósito de todos nós docentes, sindicalizados ou não.
 

 

Boa leitura a todas e a todos!

 

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1964: A Manaus proposta por Arthur Reis


Com esse ensaio sobre as transformações urbanas ocorridas na cidade de Manaus, durante o regime militar, pretendo destacar alguns fatos simbólicos que talvez possam explicar um pouco sobre o caráter dos projetos públicos que estavam sendo pensados e a relevância que ganhavam perante as novas promessas de progresso para a região.


Naquele momento, a capital do Amazonas se mantinha isolada do restante do país, não somente do ponto de vista geográfico, mas, sobretudo, cultural. A mudança era uma aspiração que decorria da insatisfação perante a estagnação em que se encontrava a economia regional desde a perda do monopólio internacional da borracha, no final da primeira década do século XX, momento em que a Amazônia mergulhou num sono profundo que já durava cinco décadas, sonhando ainda em resgatar a efervescência e as extravagâncias de uma economia que ficara estagnada e retomara o ritmo de seu antigo estado de pobreza.


Perante aquele contexto, qualquer sugestão de mudança era bem-vinda e significava muito para a população, que se encontrava ávida por qualquer novidade. Portanto, ao falar sobre as transformações processadas na cidade de Manaus, na segunda metade da década de 1960, não podemos deixar de alertar sobre a predisposição que havia em todos os setores para as mais variadas propostas de mudanças projetadas pelos programas desenvolvimentistas da Ditadura Militar.


Para tal, é significativo observar a voz oficial do Estado do Amazonas, o governador Arthur Cézar Ferreira Reis, que se manteve no cargo no período de 27 de junho de 1964 a 31 de janeiro de 1967.


Personalidade destacada na intelectualidade nacional e respaldado por uma produção relevante sobre a região, além de seu conhecimento teórico em diferentes áreas (história, geografia, direito, sociologia), Reis alguns anos antes atuara como diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ao assumir o governo, Arthur Reis demonstrou grande habilidade administrativa, articulando e valorizando diferentes setores da sociedade, uma ação governamental até então pouco usual, sobretudo do ponto de vista cultural.


Encontro algumas dificuldades iniciais para esclarecer sobre o funcionamento da estrutura de poder que se instalara no Amazonas em 1964, e ajustar a esclarecida atuação do intelectual Arthur Reis com o autoritarismo que caracterizou o regime militar, sobretudo pós-1968. Como governador interventor do Amazonas, Arthur Reis teve um papel significativo na história do Estado, pois se cercou de uma equipe qualificada e também recorreu a competência de instituições nacionais para programar o seu primeiro biênio.


Na introdução de seu Relatório “Como governei o Amazonas” uma das primeiras afirmações é que “a vida municipal era modorrenta e realizada sem obediência a bons padrões morais” (Reis, 1967, p. 11). Sem dúvida, a sua fala representa o poder de uma elite conservadora e autoritária, com seus conceitos tradicionais de ordem e progresso. O curioso é que Arthur Reis assume a mesma postura etnocêntrica de muitos dos viajantes estrangeiros que passaram pela cidade e se surpreenderam com as “limitações” da cultura local. Ao mesmo tempo, o administrador exaltava os resultados de seu trabalho afirmando que as obras realizadas em Manaus e no interior eram “espelhos muito claros de toda uma decisão para criar na infraestrutura estadual, as bases físicas que permitem o bom funcionamento dos serviços públicos” (Idem, p. 22), conforme a orientação que o Regime Militar imprimiu para a Amazônia.


O pensamento crítico de Reis estimulou a criação de setores fundamentais para respaldar ações governamentais, assim como a realização de obras públicas, além de outras implantadas em seu governo. Provavelmente, por confiar em ações apoiadas em projetos, o governador anunciava a criação do Plano Diretor para a capital e argumentava com grande expectativa que a sua realização “dentro da melhor técnica urbanística, assegurará a Manaus uma posição ímpar no quadro da rede urbana brasileira” (Ibdem, p. 23). Contudo, acontecimentos mais recentes, têm provado que, perante articulações de grupos de interesse, essas projeções tão necessárias e requisitadas, em geral, não são respeitadas e ainda carecem de aplicabilidade.


Nesse período, é destacável a atuação de um grupo de profissionais de diferentes áreas, sobretudo nos setores públicos, e que atuaram na execução das obras, destacadamente o arquiteto mineiro Severiano Mário Porto, que realizou inúmeros projetos públicos e privados, sendo alguns deles premiados nacionalmente. Uma das características de suas obras foi estabelecer um constante diálogo entre as construções de tradição popular e a arquitetura moderna, aplicando diferentes materiais e soluções construtivas.


A criação da Companhia de Habitação do Amazonas (COHAB-AM) era uma tentativa para solucionar o problema de moradias populares e manter maior controle do planejamento e crescimento da cidade. Lembrando que, naquele momento, com a chegada de novas populações ribeirinhas, começava ocorrer um adensamento maior no centro e nos bairros mais tradicionais e surgiam ocupações irregulares, não somente nos igarapés do perímetro urbano, mas também nas áreas periféricas da cidade.


Pelas falas do governador Reis, é possível deduzir que ele pretendia evitar o surgimento de outros complexos como a Cidade Flutuante, que classificava como “uma excrescência”. Assim, as novas construções eram realizadas em alvenaria, um recurso até então pouco acessível a maior parte da população manauara, sendo que grande parte dos bairros ainda se compunham de construções de madeiras e até uma parte coberta com palha. Para o governador, aquelas construções “apareciam como páginas degradantes na vida de uma Cidade” (Idem, p. 24). Portanto, decidiu extingui-la e, para tanto, confiou a seus alunos da Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio de Janeiro, “habilitados e amorosos da tarefa” (Idem, p. 24), contando com a participação da Capitania dos Portos, que retirou os moradores e extinguiu a Cidade Flutuante.


Uma das novas formas de ocupação proposta pelo governo do estado foi o Bairro da Raiz, um dos primeiros conjuntos habitacionais da cidade. Traçado a partir de um plano urbanístico e arquitetônico, composto por 132 casas, destinadas aos antigos moradores da Cidade Flutuante, das quais 46 já se encontravam ocupadas em 1967.  Para aquele momento, esse número era bastante significativo, uma vez que a população de Manaus era de cerca 225 mil habitantes. Naquela mesma época, surgiram outros conjuntos habitacionais, como Flores, Japiim e Parque Dez.


Talvez pelo fato do governo estadual considerar que as novas moradias já eram uma grande melhoria na vida daquelas famílias, oferecia um conjunto de casas magrelas, com um pequeno quintal e ruas estreitas. As ruas eram como um grande canudo, desertas, amareladas pelo barro revolvido e sem qualquer vegetação que domesticasse e humanizasse um pouco a ocupação.


Sem dúvida, era o novo que se apresentava, ainda que triste e desolador, sobretudo para aqueles originários dos beiradões, acostumados com a beleza do verde, do rio e do vai e vem das embarcações, com a perda do burburinho provocado pelo movimento comercial da praia do mercado e até mesmo a animação dos lazeres mundanos. Mas certamente a maioria não conseguia externar a insatisfação com aquela nova proposta de vida. Muitos foram atuar nas linhas de montagem que surgiram depois de alguns anos, outros adormeceram, na letargia do pensar crítico imposta pelos anos de força da Ditatura. Contudo, ao final de suas análises, o caráter acadêmico do intelectual Arthur Reis alerta que, no futuro, inevitavelmente, surgiriam outras interpretações:


“A Revolução de 31 de março funcionou no Amazonas, em todas as áreas. Seus resultados estão à vista. É preciso não esquecer, todavia, que através dos novos textos legais, que reformulam integralmente a sistemática política, social, financeira e cultural do país, ela está prosseguindo. Os dias vindouros dirão se estas reflexões são ou não exatas.” (Idem, p. 215).


Referências:


REIS, Arthur Cézar Ferreira, Como governei o Amazonas. Manaus: Imprensa Oficial. 1967.

 

Otoni Mesquita, Faculdade de Artes, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), otoni_mesquita@hotmail.com







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