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Viva Melhor


   


  29/04/2021 - por José Alcimar de Oliveira



Sob o poder do atraso, do mau humor e da ignorância como projeto



 

Ridentem dicere verum / quid vetat?

(O que impede de, rindo, dizer a verdade?) (Horácio).         

 

          01. 28 de abril de 2021: Dia da Educação. No Brasil, quanto à política educacional, nada a comemorar. O Estado brasileiro, sob férrea tutela do capital, optou por manter o povo sob os grilhões da ignorância. Estamos, como bem afirma José de Souza Martins, sob "o poder do atraso", no ritmo regressivo do que ele identifica como "sociologia da história lenta". Antônio Callado (1917-1997), a propósito desses dilaceramentos sociais e da opção do Brasil oficial pela apartação entre poder e justiça social, aponta como resultado desse processo nossa condição de permanente submissão ao "ritmo ridículo de país pequeno". No contracurso da filosofia de Francis Bacon, ignorância é poder. A ignorância se fez instrumento de poder. Mas o tecnocrata contente prefere sempre questionar o custo da educação.

          

          02. O poder cavernoso de nossa autocracia burguesa consegue combinar, com perverso êxito, as condições de exploração da classe trabalhadora dignas do capitalismo do século XIX com a mais eficiente política rentista, com níveis de especulação e concentração de renda como em nenhuma outra grande economia global. O Brasil está no topo das estatísticas de acidentes de trabalho. 28 de abril é o Dia Mundial em Memória às Vítimas de Acidentes de Trabalho. “Sob a ordem da zona escura” (Marcos José) das relações capitalistas o trabalho concorre para alienar o espírito e agredir o corpo. Ao capital, como máquina de moer corpos e envenenar espíritos, é funcional manter um exército de “corpos dóceis” (Foucault) disponíveis ao sacrifício e prontos a substituir os que irão compor a massa sobrante de mutilados.    

 

          03. Neste 28 de abril de 2021 comemora-se também o Dia Mundial do Sorriso. No Brasil seria bem apropriado também reservar um dia nacional de combate ao escárnio, ou à farsa, ou ao ridículo. Todas as formas de autoritarismo carregam um forte componente de ridículo. Uma personalidade autoritária, inclusive por inconfessável fraqueza, sempre resiste à potência libertária do riso e do bom humor. O que é da ordem do ridículo pode ser combatido com o riso.

 

          04. Contra o escárnio dos opressores, contra a farsa do poder apartado de bom senso, é necessário recuperar o poder revolucionário do riso, do humor e da alegria. Como na fábula, tornar ativo o gesto da criança, cuja vontade não dissimulada pela racionalização hipócrita ousou dizer que o rei estava nu. Na filosofia da criança o riso e a alegria são afetos ontológicos. O conceito de alegria é preferível ao conceito de felicidade. Sobretudo nesses tempos de felicidade compulsória e vendida como mercadoria nas reluzentes e vazias vitrines do consumo. A felicidade tornou-se objeto de empresariamento pela religião do capital e pela economia elevada à ciência teológica. A alegria é um conceito anticapitalista. Um conceito igualmente franciscano e espinosista. A perfeita alegria de que nos fala São Francisco de Assis ou a alegria (laetitia) ontológica de Espinosa são formas de afeto ativo que nos potencializa o ser e o agir no mundo.

 

          05. O genial Darcy Ribeiro, seguramente o mais bem-humorado dentre os pensadores brasileiros, afirma que “a alegria imotivada (do mundo indígena e caboclo da Amazônia) é a vingança do povo, sua revanche contra a envolvente trama intelectual que se lança sobre suas cabeças, atribuindo a ele a culpa de nossos crônicos males”. Os excessos do mundo burguês, sua compulsão pela posse, sua forma retensiva de ser, jamais poderiam ensejar espaço à alegria imotivada do modo indígena e caboclo de ser. Num apêndice ao texto inacabado dos Manuscritos econômico-filosóficos – trabalho somente publicado em 1932 na ex-União Soviética –, Marx afirma que “a propriedade nos fez tão cretinos e unilaterais que um objeto somente é o nosso[objeto]se o temos, portanto, quando existe para nós como capital ou é por nós imediatamente possuído, comido, bebido, trazido em nosso corpo, habitado por nós, etc., enfim, usado”.

 

          06. A alegria, por ser da ordem do imotivado, da gratuidade, jamais poderia ser compulsória. Compulsória é a felicidade vendida pela sociedade de consumo. Por isso, segundo Adorno, “ninguém feliz (eu diria alegre) pode jamais saber que o é (...), (porque) quem diz estar feliz mente ao invocá-lo, e peca assim contra a felicidade”, eu diria contra a alegria. Quando submetido à ideologia da posse, que rege o modo cretino de ser da sociedade burguesa, o trabalho desrealiza o ser social e se reveste de caráter culposo. Goethe descreve que “a espécie humana é sempre igual, não muda nunca. A maioria gasta quase todo o seu tempo para sobreviver, e o pouco que lhe resta de liberdade causa-lhe tanta preocupação que ela busca por todos os meios livrar-se desta carga. Ah, destino do homem”. Goethe, na verdade, toma o mundo europeu como paradigma da espécie humana.

 

       07. Não creio que a análise goetheana sirva para caracterizar, por exemplo, o modo de vida dos Tuyuka, a forma como produzem o necessário para viver, não para sobreviver. Segundo o padre tuyuka salesiano Justino Sarmento, com quem dialoguei quando escrevinhava a tese de doutorado, os seus parentes “são muito brincalhões. Se você chegar numa aldeia indígena e se estiver reunido em grupo, você ouve de longe as gargalhadas. O Tuyuka é um povo muito alegre. Gostam de brincar com as pessoas. Gostam de colocar apelidos para as pessoas’. O sistema do capital é intrinsecamente antilúdico. A propósito, Adorno e Horkheimer apontam que “a diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo”. Penso que é na nossa ascendência indígena e afro que podemos recuperar o substrato ontológico da alegria e do bom humor, sob cerrado ataque, neste 2021, do fundamentalismo, do negacionismo, do obscurantismo e da falsificação da história.

 

*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, segundo vice-presidente da ADUA-Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe. Em Manaus, AM, aos 28 dias de abril do ano (ainda) coronavirano de 2021.

 

Imagem: Divulgação internet







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