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  21/06/2021 - por José Alcimar de Oliveira



A política como força teórica do povo e o poder dos becos, ruas e praças



 

O bem comum da humanidade não é solúvel na privatização do mundo (Daniel Bensaïd).

 

          01. A política encontra no povo a sua força material. O povo encontra na política a sua força teórica. É somente a praça que pode unir o povo e a política. Não haverá democracia no parlamento enquanto becos, ruas e praças permanecerem vazias. A verdade da democracia do povo implica dois direitos sempre negados pela democracia burguesa: 1) a isonomia como igualdade coletiva diante da lei e 2) a isegoria como o direito coletivo ao uso público da palavra. Enquanto o parlamento seguir controlado de forma direta e explicita pelos representantes da burguesia e, de forma indireta e velada (e venal), pelo poder do capital (o poder que de fato controla o Estado e seus aparatos ideológicos), a democracia restará formal, vazia e a envenenar a consciência do povo com a crença de que ele governa quando vota.

 

          02. Em seu artigo primeiro a Constituição da República Federativa do Brasil, denominada de Constituição Cidadã, cujo texto foi promulgado em 05 de outubro de 1988, assim formalmente estabelece: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito (...)”. Não podemos prescindir da positivação de conquistas formais. E o Brasil estaria em situação ainda mais regressiva se o povo não tivesse, no embate desigual e desleal entre as forças do capital e a luta da classe trabalhadora, conquistado o que formalmente se inscreve na Constituição de 1988. Não podemos retroceder de conquistas formais, mas estas, por si, ainda não garantem a materialização da cidadania.

 

          03. Um dos princípios fundamentais da tradição dialética, materialista e histórica, do pensamento e a precedência ontológica do real sobre o formal. Este princípio, mesmo que expresso num esquematismo formal, já está presente na teoria do conhecimento de Immanuel Kant: conceitos sem experiência são vazios. Experiência sem conceito é cega. Hegel deu um passo além ao introduzir a história no esquematismo hegeliano e desbloquear a passagem do fenômeno para o númeno, da aparência para a essência. Mas em Hegel o devir da história é limitado pelo idealmente definido, a ponto de considerar que o “Estado (burguês, no caso) é a realidade em acto da Ideia moral objectiva, o espírito como vontade substancial revelada, clara para si mesma, que se conhece e se pensa, e realiza o que sabe e porque sabe”.

 

          04. É somente com Marx e Engels, ao introduzirem materialidade na compreensão idealizada de Hegel sobre o Estado burguês, que pela primeira vez na história a face oculta dos interesses da burguesia é desvelada, posta a nu em seu descaramento, já que foram rasgadas as luvas ideológicas que cobriam suas mãos pretensamente invisíveis. Mãos invisíveis e sanguinária exploração real. Ainda jovens, os dois geniais parceiros de teoria e militância seguraram Hegel pela mão (ao menos nas ideias, pois o mestre de Iena já havia partido em 1831) e conduziram sua teoria idealista pelo caminho materialista da dialética e da história. Kant, Hegel, Marx e Engels são figuras teórica e politicamente incontornáveis para quem deseja pensar e libertar o Brasil encalacrado e engabelado pela autocracia burguesa.

 

          05. O Estado burguês, privatista em sua essência, atenta contra o conceito de república. O privatismo que move a consciência burguesa implica um duplo atentado político: à república, que nunca será presidida pelo princípio da coisa pública, e à democracia, que nunca será o espaço do exercício do poder do povo. Vale sempre trazer à memória a definição redonda de Marx e Engels do Estado burguês inscrita no Manifesto de 1848: “O executivo do Estado moderno não é mais do que um comitê para administrar os negócios coletivos de toda a classe burguesa”. Algo a ver com o Brasil de 2021? A Constituição brasileira de 1988, pouco avançou da conquista formal para a materialização constitucional de direitos sociais. Regressivamente o Brasil, de fato, resiste como um Estado Oligárquico de Privilégios.  

 

          06. A filósofa política Agnes Heller define a história como “a substância da sociedade. A sociedade não dispõe de nenhuma substância além do homem, pois os homens são os portadores da objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente a construção e transmissão de cada estrutura social”. À burguesia interessa uma objetividade social sob o controle ideológico de sua classe parasitária e predatória. A burguesia é coerente e absolutamente ciosa de seus interesses. Por isso, ela falsifica a história, atenta contra a verdade, destrói a memória social da luta da classe trabalhadora, promove o ódio ao conhecimento, mobiliza a circulação privatista de consumidores em shopping centers e criminaliza a ocupação de becos, ruas e praças como espaço político da consciência e da luta dos trabalhadores.   

 

         07. Ontem, 19 de junho de 2021, em Manaus e em centenas de cidades brasileiras, o povo ocupou becos, ruas e praças, sob a ordem do espírito democrático e em defesa da vida. Praças e feiras são espaços públicos de afirmação da cidadania coletiva. Espaços abertos, muito diferentes de shopping centers e condomínios. O Brasil não é um condomínio. Aprendemos com Aristóteles que os ricos são mais perigosos para a cidade, a pólis, do que os pobres, a classe subalternizada, que vive do trabalho. Fora da ágora restará a trama rasteira, no espaço tríplice dos poderes, a solapar os direitos coletivos. Em seu De Republica, Cícero indaga: Quid est enim civitas nisi iuris societas? O que é, na verdade, um Estado, senão uma sociedade de direito? Das ruas, becos e praças o povo não recuará.

 

* José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra, segundo vice-presidente da ADUA – Seção Sindical e filho do cruzamento dos rios Solimões e Jaguaribe. Em Manaus, AM, aos 20 dias de junho do ano (ainda) coronavirano de 2021.

 

Foto: ADUA

 







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