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O sonho da aposentadoria pode virar pesadelo para professores federais



Data: 26/04/2017

Por Anderson Vasconcelos

Já é de conhecimento público que as justificativas usadas pelo governo para empurrar “goela abaixo” a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, popularmente conhecida como PEC da Reforma da Previdência, não se sustentam. Os argumentos falaciosos foram ponto a ponto analisados por especialistas consultados pela reportagem do Jornal da ADUA e rechaçados de tal modo que até a Justiça Federal, em decisão de magistrada de Porto Alegre, determinou, no dia 15 de março, que o governo de Michel Temer retire imediatamente do ar as propagandas, veiculadas em qualquer tipo de mídia, sobre a PEC 287. O motivo é óbvio.

“A campanha do Governo Federal sobre a Reforma da Previdência violou o caráter educativo, informativo e de orientação social, que, nos termos do artigo 37, §1º, da Constituição da República, deve pautar a publicidade oficial dos órgãos públicos, uma vez que difundiu mensagens com dados que não representam de forma fidedigna a real situação financeira do sistema de Seguridade Social brasileiro e que podem induzir à formação de juízos equivocados sobre a eventual necessidade de alterações nas normas constitucionais previdenciárias”, sentenciou a  juíza Marciane Bonzanini.

Ao atender a ação movida por diversos sindicatos de trabalhadores, a magistrada entendeu que o governo Temer mentiu. Por isso, a juíza determinou ainda que o governo veicule, no mesmo espaço, uma contrapropaganda e estabeleceu multa diária de R$ 100 mil, caso a decisão não seja cumprida. “O que parece destoar das regras democráticas é que uma das partes envolvidas no debate político busque reforçar suas posições e enfraquecer argumentos diferentes mediante campanha publicitária utilizando recursos públicos”, afirmou, na sentença.

Mesmo diante de tantos vícios e sem argumentos plausíveis, a PEC 287 corre sério risco de ser aprovada pelo Congresso Nacional. Caso isso ocorra, as mudanças atingirão a todos os trabalhadores e trabalhadoras, com exceção dos militares das Forças Armadas, cujas regras, segundo o governo, serão tratadas posteriormente. A propósito, diferente dos demais trabalhadores e servidores públicos em geral, os militares não pagam contribuição previdenciária (há uma contribuição apenas para as pensões, conforme a Lei nº 3.675/1960).

“O Governo resolveu adotar a opção mais simples, que é a de penalizar a classe trabalhadora aumentando o tempo para a aposentadoria e reduzindo o valor dos benefícios. Tudo com o suposto objetivo de corrigir o ‘rombo’ que não é culpa dela e, mais, que nem sequer existe”, diz trecho da análise da cartilha produzida pelo escritório jurídico Wagner Associados, em parceria com as assessorias jurídicas das seções sindicais do ANDES-SN, inclusive a da ADUA.

Mesmo para quem já tem um longo período de contribuição, a aprovação Reforma da Previdência tal qual apresentada pelo governo pode significar muito mais tempo para conseguir se aposentar, para aqueles que resistirem até o último momento e desejarem o benefício integral. Ou, pior, pode significar a queda significativa do futuro benefício, no caso daqueles que decidirem aposentar-se nas condições mínimas exigidas. Para esses, considerando que para ter acesso ao benefício, pela proposta, é preciso ter pelo menos 25 anos de contribuição, o valor será então, na prática, 70% da média de todos os salários de contribuição desde 1994. Nos dois casos, o sonho da aposentadoria pode virar um pesadelo.

Que o diga a coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), professora Ana Cristina Martins Fernandes, 49 anos, que pode enfrentar a segunda mudança de planos, caso a reforma seja aprovada. Docente da instituição desde os 23 anos, Aninha – como é conhecida – completa 26 anos de “casa” no próximo dia 8 de abril. A docente planejava aposentar-se daqui a seis anos, aos 55. Com a reforma da Previdência do governo Temer, a professora, por ater-se à regra de transição (mulheres com mais de 45 anos e homens com mais de 50 anos devem devem cumprir um pedágio de mais 30% do tempo restante para aposentadoria), deve adiar os planos por mais dois anos além do que faltava: ou seja, só poderá aposentar-se daqui a oito anos.

“Já estou me sentido duplamente prejudicada”, diz Aninha, referindo-se às mudanças impostas pela Reforma da Previdência de 2003 e às regras do texto da PEC 287. “Se a Reforma for aprovada em seu formato original, sem emendas, só vou poder me aposentar aos 58 anos, dos quais 35 anos de serviço só na Ufam”. Quem garante que as regras não vão mudar novamente até lá? A docente planejava investir mais na qualidade de vida. “Queria poder viajar sem data de compromisso para voltar. Poderia até ficar um tempo a mais na universidade, vinculada à pós-graduação. Com esse quadro atual, talvez eu nem queira mais fazer isso”.

Como encarar essa realidade? Para Aninha, não há “nenhuma motivação” para seguir trabalhando. Ela explica: “nas condições em que a universidade está, principalmente nesse momento em que a Ufam está cinza, no sentido das políticas, das condições que o governo federal está proporcionando com esse corte de recursos durante de 20 anos, fora as condições de trabalho na universidade, agravantes aqui na Fapsi [Faculdade de Psicologia]”, lamenta. “Enquanto trabalhadora, é perceptível que os direitos trabalhistas estão entrando em processo de retrocesso, de declínio”, emendou.

Se para Aninha, com quase 30 anos de contribuição – considerando o tempo de trabalho em outras instituições – está difícil, imagina para quem está chegando. É o caso de dezenas de professores recém-ingressos na Ufam, entre eles a docente Suelen Marques, 33 anos, do curso de curso de Engenharia de Petróleo e Gás, da Faculdade de Tecnologia da instituição.  Admitida em março de 2015, mas com um total de sete anos de contribuição, considerando o tempo de serviço como professora em outras instituições, Suelen precisa trabalhar ainda mais de três décadas, caso deseje receber a aposentadoria integral. Isto é, ela conseguirá se aposentar próximo dos 70 anos.

“Jovem, né? Se eu começar a ir pra academia agora e tomar mais vitaminas, talvez eu chegue aos 75, mas com carinha de 95 de tanto trabalhar”, ironiza a professora. Ela avalia a mudança como desestimulante. “Eu fico tão deprimida quando penso na atual situação em que estamos vivendo, quando o governo impõe medidas ao cidadão que contribui. Às vezes me pergunto o que ainda estou fazendo aqui, por que ainda insisto em ficar”, afirma Suelen. Ela não descarta a possibilidade de morar fora do Brasil. “Me preparo cada vez mais para deixar o país, pois a possibilidade de continuar os estudos fora do Brasil é imensa”, completa a mestre em Geociências.

A preocupação de Aninha, de Suelen e de tantas trabalhadoras e trabalhadores é pertinente. Ninguém trabalha hoje com a perspectiva de não pode aposentar amanhã e usufruir os benefícios após tantos anos de contribuição. Com a atual proposta, o sonho da aposentadoria pode virar um pesadelo.

Fonte:
ADUA



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